sábado, 5 de setembro de 2020

Os decretos e a segurança da liberdade religiosa no estado do Amazonas: possíveis ameaças e respaldos jurídicos


Autor(a): Magale Lemos Paim, graduando(a) membro do Cedire

Orientadora: Andréa Letícia Carvalho Guimarães, mestre e advogada voluntária do Cedire

Caso: Amazonas - Decreto Estadual n.42.099 

Tema: Os decretos e a segurança da liberdade religiosa no estado do Amazonas: possíveis ameaças e respaldos jurídicos


Art. 3º, do Decreto n°. 42.099, de 21 de março de 2020, do Amazonas, dispõe que: “Fica suspenso o funcionamento de todas as igrejas, templos religiosos, lojas maçônicas e estabelecimentos similares”. A suspensão de eventos públicos e privados ficou, por esse decreto, suspensa por um período de 15 dias a partir de sua publicação. O respaldo está na Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, a qual dispõe sobre as medidas de enfrentamento a emergência de saúde pública para a proteção da coletividade (art. 1º, § 1º) diante da situação alastrante do Covid-19 no Brasil. Regulamentada pelo Ministro de Estado da Saúde por meio da Portaria n. 356, de 11 de março de 2020, fica sob responsabilidade desse dispor acerca de sua duração (art. 1º, § 2º).


Nesse sentido, a calamidade de saúde pública global, atrelada ao princípio da convivência das liberdades, ensejou medidas de restrição ao aspecto coletivo/público do exercício de direitos fundamentais, como no caso do direito a prática religiosa, diretamente afetada pela lei e pelo decreto supracitado, bem como pelas determinações da OMS. O artigo 18.º, número 3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos permite que essas restrições à liberdade de manifestar a religião sejam feitas desde que essas limitações estejam de acordo com a Teoria dos ‘Limites dos Limites’ (Schranken- Schranken), isto é, previstas em lei e sendo limitadas de acordo com a própria Constituição. 


Assim, balizam a ação do legislador e garantem a proteção de um núcleo essencial do direito fundamental quanto à clareza de sua duração, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas; além de proteção a segurança, a ordem, a saúde pública, a moral, as liberdades e aos direitos fundamentais de outrem, o que, por um lado, viabiliza as alternativas adotadas. Houve prorrogação para que as: reuniões religiosas presenciais permaneçam suspensas no Amazonas até 30/04/2020 (Dec. n. 42.216/2020), até “ulterior deliberação”; (art. 10, III, Dec. 42.247/2020). Ao analisar os dispositivos, percebe-se ausente uma segurança jurídica quanto ao requisito da temporalidade, considerado imprescindível para que haja suspensão de liberdades fundamentais. 


Todavia, a proibição pode dar margem a um embate principiológico, em que o decreto sancionado pelo governador do estado do Amazonas, Wilson Miranda Lima, estaria ferindo o direito fundamental à liberdade religiosa (art. 5º, VI, CF/88) e a laicidade estatal (art. 19, I, CF/88), o que o tornaria, portanto, inconstitucional. Além disso, no art. 19, caput, inciso I da Constituição Federal do Brasil, há a proibição de qualquer ente da federação de embaraçar o funcionamento de cultos religiosos ou igrejas, a não ser em caso de decretação estado de defesa, conforme art. 136, §1º, I, “a”, ou de decretação de estado de sítio, de acordo com o art. 139, IV. Nesse viés, decretos ou medidas restritivas neste momento, poderiam significar um ato de improbidade administrativa, bem como uma restrição indevida à liberdade religiosa por torná-la um direito fundamental impraticável. 


Posto isso, o Decreto n. 42.330, de 28/05/2020, em seu art. 7°, trouxe medidas complementares temporárias, e permitiu, a partir das 00h00 do dia 1º de junho de 2020, à exceção dos integrantes do grupo de risco, a retomada das atividades religiosas, limitados a 30% (trinta por cento) de ocupação, e ao período máximo de 1 (uma) hora e 30 (trinta) minutos, quando da realização diária dos cultos, respeitado um intervalo mínimo de 5 (cinco) horas entre um evento e outro, de modo a permitir a limpeza adequada no ambiente, evitando-se a aglomeração na entrada e saída de pessoas, e o período máximo de 4 (quatro horas), quando da realização semanal dos cultos. Tais ações complementares vieram de encontro com o anseio pela liberdade religiosa em sua amplitude, com uma tentativa de igualmente proporcionar proteção à saúde pública e garantir o direito à vida.