segunda-feira, 25 de outubro de 2021

OFENSA RELIGIOSA NO YOUTUBE: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JULGA O ÚLTIMO RECURSO NA AÇÃO PROPOSTA POR COMUNIDADE ISLÂMICA


OFENSA RELIGIOSA NO YOUTUBE: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JULGA O ÚLTIMO RECURSO NA AÇÃO PROPOSTA POR COMUNIDADE ISLÂMICA

Autor: Victor Terra de Menezes

Revisora: Gabriellen da Silva Xavier do Carmo


Resumo: A Sociedade Beneficente Muçulmana ingressou com uma ação em face da empresa Google Brasil Internet Ltda, pois, no site Youtube, de propriedade da ré, havia conteúdo considerado ofensivo à religião islâmica pelos membros da comunidade. A autora pediu a remoção do conteúdo, identificação dos responsáveis pela publicação e indenização por danos morais. Os pedidos foram negados em 1ª e 2ª instâncias e o Supremo Tribunal Federal julgou em 2019 o último recurso.


Palavras-chave: Islã; Conteúdo Ofensivo; Intolerância Religiosa.

Em abril de 2016, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) proferiu acórdão importante para a discussão do tema da liberdade religiosa e a possibilidade remoção de conteúdo da internet por ofensa à religião. No caso, a Sociedade Beneficente Muçulmana ingressou com ação indenizatória contra a empresa Google Brasil Internet Ltda. pedindo remoção de conteúdo ofensivo do YouTube, identificação dos responsáveis pela publicação do conteúdo e indenização por danos morais.  

Segundo a autora da ação, o site YouTube, de propriedade da ré, hospedava vídeos ofensivos à religião islâmica. Nos vídeos mencionados, a trilha sonora era a mixagem de uma música de funk intitulada “Passinho do Romano” com áudios com dizeres sagrados do Islã. 

Na fundamentação da inicial, afirmava que “para os muçulmanos, os dizeres do profeta Muhammad são sagrados e devem ser recitados somente em ocasiões de seriedade e respeito, de modo que mixagens são consideradas blasfêmias, com agravante de ter sido feita com música de estilo e letra de cunho libidinoso”. 

Em sua sentença, a juíza Anna Paula Dias da Costa julgou improcedentes os pedidos. Utilizando-se da técnica de ponderação de princípios entre a liberdade religiosa e a liberdade de expressão, a magistrada declarou que não houve ofensa à liberdade de crença e culto, pois não havia nos vídeos qualquer discurso discriminatório ou discurso de ódio contra a religião islâmica.

A Sociedade Beneficente Muçulmana apelou da sentença, alegando, preliminarmente, que o juízo a quo não examinou o pedido de fornecimento de dados dos responsáveis pela publicação do vídeo na internet. No mérito, afirmou que o mero ato de utilizar trechos do Alcorão em canção de cunho obsceno já caracterizaria ofensa à religião islâmica, ainda que não haja ataque direto à religião, e que o grau de ofensividade da crença deve ser determinado pelos praticantes da religião e não de acordo com as convicções daqueles que não a professam. A apelante pediu a remoção dos vídeos do YouTube, a fiscalização pela provedora de hospedagem Google Brasil para que não haja novos vídeos com o mesmo conteúdo na plataforma, e indenização por danos morais.

No acórdão, proferido pela 3ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP, os desembargadores negaram provimento à apelação da autora, mantendo a decisão do juízo de primeiro grau. Segundo o Tribunal, não haveria na letra da música qualquer frase discriminatória ou reveladora de ódio (hate speech) contra os muçulmanos, tampouco qualquer alusão, positiva ou negativa, ao islamismo e seus seguidores. Portanto, não houve abuso de exercício do direito à liberdade criativa e artística que justificasse prevalecer a inviolabilidade da crença religiosa.

Quanto à alegação da apelante de que o conteúdo da canção seria obsceno e libidinoso, a 3ª Câmara afirmou que “a letra é singela e destinada ao mero entretenimento dos fãs do estilo, não fazendo qualquer referência expressa à libidinagem, ao obsceno e ao ilícito” e que do fato de ser “uma canção de ‘funk’, não se pode concluir, como faz a recorrente, tratar-se de um estilo ‘libidinoso’”.

Por fim, o relator do acórdão, o desembargador Viviani Nicolau, asseverou que, ainda que houvesse crítica direta ou ofensa à religião, deveria ser feito um juízo de ponderação de princípios, sopesando a restrição à liberdade de crença e a realização da liberdade de expressão. Segundo o relator, a inviolabilidade de crença religiosa só deveria prevalecer sobre a liberdade de expressão caso a crítica ou ofensa atingisse “a condição de constrangimento ou humilhação dos adeptos de uma crença”.

Desta forma, no entendimento do Tribunal, não ocorreu “desrespeito à liberdade de crença religiosa ou ao sentimento religioso, nem ato que rompe os limites do exercício da liberdade artística”. Não havendo a violação de direito fundamental ou ato ilícito, inexistiria justificativa para a retirada de conteúdo, o fornecimento de registros ou a indenização pedidos.

Após rejeição de embargos de declaração, foi interposto recurso especial, julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em fevereiro de 2019. A recorrente alegava, com base nos artigos 489, §§ 1º e 2º, e 1.022 do CPC/2015, a omissão do acórdão recorrido quanto aos motivos para priorizar a liberdade de expressão em detrimento da proteção da crença religiosa e quanto à justificativa dos critérios gerais da ponderação de princípios, pedindo a decretação de nulidade do acórdão e a realização de novo julgamento ou, subsidiariamente, a reforma do mérito para julgar procedente a ação.

O Tribunal não conheceu do pedido de reforma do mérito, afirmando que a competência para análise de matéria eminentemente constitucional é do Supremo Tribunal Federal. Assim, não caberia ao STJ reexame de mérito acerca da ponderação de normas e princípios constitucionais como a liberdade de expressão artística e a liberdade de religião e crença. Além disso, a recorrente não indicou a violação de nenhuma norma de direito material a embasar a pretensão de reforma. A Corte Superior, porém, conheceu parcialmente o recurso especial quanto ao pedido de decretação da nulidade do acórdão, negando-lhe provimento. 

De acordo com o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no acórdão recorrido o TJ/SP indicou adequadamente os motivos da decisão em fundamentação clara, precisa e completa, enfrentando todos os argumentos aduzidos pela Sociedade Beneficente Muçulmana capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelos julgadores. Ademais, o acórdão teria “apresentado de forma clara o objeto e os critérios gerais da ponderação de princípios efetuada, mediante a exposição das razões fáticas e jurídicas que fundamentaram a formação do seu convencimento pela prevalência da liberdade de expressão”.

No mesmo ano, o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Edson Fachin, em decisão monocrática, rejeitou o recurso extraordinário em face do acórdão do TJ/SP, com base na súmula 279 do STF, afirmando que “eventual divergência em relação ao entendimento adotado pelo juízo a quo, tal como posta na lide, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos (a análise da existência ou não de ilicitude); como também a interpretação de texto infraconstitucional (Lei 12.965/2014), configurando, assim, hipótese de contrariedade indireta ou reflexa à Constituição Federal”. Em agravo regimental, a 2ª Turma do STF manteve a decisão, com base nos mesmos fundamentos.


REFERÊNCIAS

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1024271-28.2015.8.26.0100. Ação Indenizatória. Apelante: Sociedade Beneficente Muçulmana. Apelado: Google Brasil Internet Ltda. Relator: Viviani Nicolau. São Paulo, 5 de abril de 2016. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=9351783&cdForo=0>


BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.765.579 - SP (2017/0295361-7). Recorrente: Sociedade Beneficente Muçulmana. Recorrido: Google Brasil Internet Ltda. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, 05 de fevereiro de 2019. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201702953617&dt_publicacao=12/02/2019>


BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.196.021 SP. Agravante: Sociedade Beneficente Muçulmana. Agravado: Google Brasil Internet Ltda. Relator: Min. Edson Fachin. Brasília, 06 de setembro de 2019. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=750920626>

Mero proselitismo religioso não se confunde com crime de intolerância, decide Superior Tribunal de Justiça



Mero proselitismo religioso não se confunde com crime de intolerância, decide Superior Tribunal de Justiça

Autores: Dirrieh Gonzaga Ulhôa e Vitor Alves Vilela

Revisor: André Fagundes

Resumo: A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu um homem denunciado pelo Ministério Público do Paraná (MPPR) por intolerância religiosa, sob o fundamento de que suas críticas realizadas na rede social estavam abrangidas pela liberdade de proselitismo religioso em defesa do cristianismo. Tal conduta só adquiriria contornos de crime caso houvesse uma tentativa de eliminar ou suprimir direitos fundamentais de praticantes de outras crenças.

Palavras Chave: liberdade religiosa; intolerância religiosa; proselitismo. 


Na cidade de Londrina (PR), um homem foi acusado pelo Ministério Público do Paraná de praticar intolerância religiosa, devido a um comentário realizado em uma rede social, na qual questionava o fato de a Universidade Estadual de Londrina (UEL) ter vetado a realização de uma missa em suas dependências. Em suas críticas, mostrou indignação por ter sido permitido, por outro lado, a realização em estabelecimentos de ensino de uma peça de cunho cultural e religioso, durante a Semana da Pátria, acerca do mito de Yorubá (perspectiva africana da criação do mundo), referindo-a como “macumba”.

No recurso em habeas corpus interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná, a defesa do acusado alegou uma eventual parcialidade do MPPR durante a condução do caso, pois aponta que os depoimentos que sustentaram a denúncia foram produzidos previamente e seriam todos idênticos.

O relator do recurso, ministro Joel Ilan Paciornik, destacou que o caso não se enquadra no crime de intolerância religiosa, uma vez que a crítica feita em rede social não preconizava a supressão ou eliminação de direitos fundamentais dos adeptos das religiões de matriz africana, nem buscava demonstrar um senso de superioridade de sua crença religiosa. Por isso, ressaltou que a conduta é decorrente da liberdade de proselitismo em defesa do cristianismo, visto que o acusado apenas evidenciou sua indignação com o fato da UEL ter proibido a realização da missa em sua capela, sendo que havia sido permitido um culto de matriz africana nas escolas públicas da cidade.

Face a isso, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, absolveu o réu, baseado no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, pelo fato denunciado não constituir-se numa infração penal.


Referências: 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Habeas Corpus n. 117539 – PR. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201902640738&dt_publicacao=20/11/2020>. Acesso em 20 ago. 2021.

Superior Tribunal de Justiça. Para Quinta Turma, mero proselitismo religioso não pode ser confundido com crime de intolerância. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/26112020-Para-Quinta-Turma--mero-proselitismo-religioso-nao-pode-ser-confundido-com-crime-de-intolerancia.aspx>. Acesso em 20 ago. 2021.


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ENTENDE CONSTITUCIONAL DISPOSITIVO QUE VEDA CULTOS RELIGIOSOS DURANTE A PANDEMIA



SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ENTENDE CONSTITUCIONAL DISPOSITIVO QUE VEDA CULTOS RELIGIOSOS DURANTE A PANDEMIA

Autor: Yuri Borges
Revisora: Janine

Resumo: Trata-se de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal pelo Partido Social Democrático, visando a declaração de inconstitucionalidade de dispositivo do Decreto 65.563/2021 do governo do Estado de São Paulo que proibia cultos e manifestações religiosas coletivas. A ação foi indeferida pelos ministros que entenderam ser constitucional o dispositivo. 

Palavras-chave: Cultos. Liberdade Religiosa. Saúde Pública.

No dia 27 de março de 2021, o Estado de São Paulo instituiu o Decreto Nº 65.563/21 que vedava, dentre outras atividades, a realização de manifestações religiosas coletivas, isto é, os cultos. A medida foi judicializada por meio de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental impetrada pelo Partido Social Democrático. O partido argumentou que o dispositivo se configurava como uma proibição inconstitucional, visto que violava o direito à liberdade religiosa e de culto protegido pelo art. 5º, VI, da Constituição Federal de 1988. O partido alegou, ainda, que o ato impugnado também desconsidera o dever da laicidade por parte do Estado conforme estabelece o art. 19 da Carta Magna, uma vez que o artigo veda o embaraço do funcionamento de instituições religiosas pelo Estado.

O pedido foi indeferido pelo relator, Ministro Gilmar Mendes, que entendeu constitucional o dispositivo, uma vez que urge a necessidade de se impor uma política de isolamento social para controlar a transmissão do vírus. O relator também entendeu que a ponderação de interesses e de posições subjetivas em função das restrições tem contornos particulares e devem ser levados em conta de maneira excepcional por motivo de emergência de saúde pública. Ademais, também foi citado o relatório do Reino Unido “COVID-19: guidance for the safe use of places of worship during the pandemic” que restringiu cultos e outras atividades coletivas em um país historicamente comprometido com as garantias fundamentais.

Destarte, a Corte seguiu o entendimento reproduzido no relatório e indeferiu, por 9 votos a 2, a ação. Apenas dois ministros votaram pelo deferimento da ação: Dias Toffoli e Nunes Marques. Os dois entenderam que a supressão, mesmo que temporária, da garantia constitucional de liberdade de culto não deve ser tolerada em um Estado Democrático Direito.  Além disso, argumentou-se que os cultos já haviam sofrido restrição em relação a quantidade de pessoas participantes, assim, não haveria maior necessidade de se impor fechamento.

Assim sendo, com o entendimento da Corte, é correto afirmar que é constitucional as restrições de atividades religiosas coletivas em face da pandemia de covid-19. 


Referências Bibliográficas


BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 811/SP/2021. Plenário. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Sessão de 08/04/2021. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal, (2021). Disponível em:< paginador.jsp (stf.jus.br)> Aceso em: 24 ago.2021