Anulação da punição administrativa decorrente de referências a Deus em comunicados oficiais da universidade
Autor: Luis Felipe Martins de Oliveira
Foi encaminhado à Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região uma Apelação Cível em que a apelante, servidora pública da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), desejava o reconhecimento judicial da possibilidade de fazer citações bíblicas em correspondências internas da instituição em que trabalha, com o intuito de afastar punições administrativas sobre tal prática. Sob a alegação de que a autora havia violado o princípio constitucional da laicidade, submeteram-na a três processos administrativos, tendo sido condenada nos dois primeiros.
Além disso, a apelante alegava ter sido vítima de perseguição religiosa por parte de seus superiores, sendo os processos administrativos, aos quais foi submetida, os meios alegadamente utilizados para efetivar o assédio. Dessa forma, devido ao seu interesse em continuar a fazer citações bíblicas, e diante da proibição imposta pela instituição pública de ensino, tal prática motivou a apelante a pleitear, também, a indenização por danos morais.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região entendeu que a discussão desse tema envolvia o conflito entre alguns princípios fundamentais da Constituição Federal. De um lado, o princípio da laicidade do Estado, do interesse público e da impessoalidade, que regem os atos da administração pública; de outro, os princípios da liberdade de expressão e da liberdade de crença e consciência.
Diante desse contexto, o Tribunal entendeu que os princípios constitucionais de liberdade de consciência e crença devem prevalecer sobre o princípio da laicidade estatal. Nos termos do Acórdão, a crença é inerente à formação de uma pessoa, à constituição de sua personalidade e à sua essência, sendo inalienável o direito de exercer sua religião. Além disso, assim como a liberdade de consciência reserva ao ateu a possibilidade de manifestar publicamente a sua rejeição à crença, garante-se também ao religioso a faculdade de professar sua fé.
Ademais, como o Estado é integrado por pessoas do povo, que por sua vez possuem uma pluralidade de características pessoais, de acordo com o entendimento majoritário do Tribunal, o Estado deve garantir aos seus servidores o mesmo direito que proporciona aos demais cidadãos. Dessa forma, mesmo na administração pública, o direito à liberdade religiosa deve ser protegido e ter o seu exercício garantido aos servidores.
Por fim, o Tribunal deu provimento à Apelação, por maioria dos votos, anulando todas as punições administrativas sofridas pela servidora pública federal da UFMS, e esclarecendo que citações bíblicas em correspondências internas da instituição acadêmica são lícitas e fazem parte da história e cultura brasileira, não podendo ser classificada como violadora da laicidade estatal, haja vista que as citações não trazem consigo uma conotação pejorativa ou foram praticadas com o intuito de ofender pessoas de outra religião.
Além disso, a Segunda Turma entendeu também que a conduta da chefia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no que diz respeito aos processos administrativos, não tinha fundamento jurídico e lesava os princípios constitucionais atinentes à liberdade religiosa. Assim, o Tribunal também condenou a UFMS a pagar indenização por danos morais à autora no valor de R $50.000,00.
REFERÊNCIA:
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região (2. turma). APELAÇÃO CÍVEL 0001199-60.2012.4.03.6000 / MS. Direito constitucional e administrativo. Assistência judiciária gratuita. Ação anulatória/condenatória. Servidor público. Laicidade do Estado X liberdade religiosa. Hermenêutica. Harmonização dos princípios constitucionais. Amplitude do direito de expressão de consciência e crença. Garantia fundamental exercitável nos âmbitos privado e público. Punição disciplinar por citação de versículo bíblico em comunicados internos da universidade federal de mato grosso do sul. Ausência de previsão normativa que admita tal restrição da garantia fundamental de crença. Expressão que constitui direito da personalidade e manifestação cultural. Razoabilidade do exercício e ausência de prejuízo ao interesse público. Ausência também de previsão normativa para as punições. Anulação das punições disciplinares, danos morais cabíveis, na situação de abusiva, grave e duradoura restrição da garantia fundamental. Apelação provida. Apelante: Waleska Mendoza. Apelado: Fundação Universidade Federal De Mato Grosso Do Sul. Relator: Des. Fed. Cotrim Guimarães. Disponível em: http://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoPje/128596059. Acesso em: 19 abr. 2021.